terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Hannibal, não o Lecter

Bom, tive um incentivo indireto do Tola para comentar algo sobre o Hannibal, na minha opinião o melhor card driven que joguei até hoje, o que não representa muito, afinal não joguei tantos jogos assim. Os comentários que postei na lista de discussão, reproduzo aqui no Oba, para quem tiver curiosidade.
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O jogo é sensacional e requer um pouco de dedicação e boa vontade. No começo, jogadores principiantes vão bater muito a cabeça, porque há uma infinidade de detalhes, embora a mecânica básica do jogo seja muito simples.
RESUMO
Estamos na 2a guerra púnica, um jogador controla as forças de Cartago e outro as de Roma, tendo como cenário as cercanias do mediterrâneo: as províncias da hispânicas, a região da cidade grega de Massilia, a Gália Cisalpina e a Gália Transalpina, toda a península itálica, o norte da África e as grandes ilhas: Baleares, Sicília, Córsega, Sardenha.

Ao todo são 18 regiões de grande importância, sendo que para obter o controle de cada região é necessário ao jogador controlar um determinado número de províncias dentro de cada uma das regiões.

Vence o jogo quem ao final de 9 turnos controlar mais regiões. Em caso de empate, a vitória vai para Cartago. Há ainda a possibilidade de no final de cada turno a vitória caber a um dos contentadores, caso o outro não tenha condições de sacrificar províncias suficientes para fazer frente à diferença de prestígio entre as duas nações. Por fim, se qualquer uma das duas cidades sucumbir há a morte súbita em favor dos sitiantes com sucesso.
O desenrolar do jogo ocorre por meio da alternância de cartas. A cada turno os jogadores recebem novas cartas. As cartas são divididas em cartas próprias para cada nação e cartas ambivalentes, ou seja, que servem a ambas as nações.
Cada carta contém um evento e um número de operação, cabendo ao jogador que a colocar em jogo determinar se o que fará efeito é o evento ou se ele utilizará o número de operação da carta. Ressalva-se que se a carta é relativa à nação do adversário, o jogador não tem a opção, ele é obrigado a utilizar o número de operação.
Os eventos servem para promover alguma modificação na situação política das 18 grandes regiões, trazer algum reforço aos exércitos no tabuleiro, proporcionar alguma vantagem extra em determinado tipo de ação ou mesmo prejudicar de alguma forma o jogo do adversário.
Já os números de operação servem basicamente para mover exércitos e adquirir o controle de províncias por meio da aposição de marcadores de política em qualquer ponto do tabuleiro ou conversão de marcadores do adversário. Neste último caso algum exército deve estar presente para realizar a conversão.
Assim, no início de cada turno o jogador deve avaliar a situação política do tabuleiro como um todo, as posições dos exércitos e as possibilidades oferecidas pela mão de cartas, que tanto podem garantir uma mobilidade muito grande dos exércitos ou uma sucessão de eventos com a intervenção eventual dos exércitos para maximizá-los.
As batalhas são um capítulo a parte e de grande destaque para o jogo. Quando dois exércitos se encontram há a batalha. Para determinar a força de cada exército soma-se a qualidade do seu comandante, o número de tropas e eventualmente pode-se contar com a ajuda de aliados da região onde está ocorrendo a batalha, aumentando assim o número de cartas.
Determinada a quantidade de cartas disponíveis para cada jogador, o atacante escolhe uma das cartas de sua mão e a defesa deve responder jogando uma carta idêntica.
As cartas representam movimentações dos exércitos e se dividem em: flanco direito, flanco esquerdo, assalto fronta, duplo envolvimento, sondagem e reservas. As reservas servem como curingas, se meu flanco ou meu centro não respondem ao meu ataque, uso minhas reservas. Genial.
Bom, o combate prossegue até que alguém desista ou não consiga responder ao ataque do adversário (logo, é uma grande vantagem ter uma maioria de cartas). Encerrado o combate as perdas são determinadas pela rolada de dados numa tabela.
Ambos os lados rolam perdas numa tabela de danos, sendo que quanto mais tempo durou um combate (número de cartas jogadas pelo vencedor) maiores serão as probabilidades de perdas para ambos. Faz muito sentido.
Já o perdedor ainda é obrigado a rolar danos adicionais numa segunda tabela, muito mais gravosa, que a primeira, representando sua retirada.
A batalha não acarreta apenas em perdas de homens mas também em prestígio, uma vez que o derrotado perde um número de províncias equivalente à metade das perdas totais experimentadas na batalha.
A cada turno há o envio de reforços, mas eles não ocorrem de maneira indiscriminada, eles vem em número limitado, pré-definido e com restrições nos locais em que podem ser alocados. Logo, cada batalha precisa ser escolhida com cuidado, porque os recursos são escassos.
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CONCLUSÕES
O jogo oferece uma miríade de opções táticas, com decisões difíceis para cada jogador. Cada comandante tem suas vantagens como líder de tropa, oferecendo diversas estratégias para o uso militar. Há aqueles que são mais fortes, enquanto outros tem uma maior mobilidade.
Roma começa com o controle de mais províncias, uma enorme mobilidade no tabuleiro, uma ligeira vantagem no número de tropas e a entrada triunfal do Scipius Africanus, com seu exército, no meio do jogo. Todavia é prejudicada pela troca constante de comando e as limitações impostas pelos cônsules.
Cartago tem um grande comandante desde o início do jogo, Hannibal, de grande força e mobilidade, mas é prejudicada pela falta de controle no mar e atravessar os alpes sempre é um risco, mas é quase imperativo.
Mas além da questão das tropas, há influência política, a qual pode determinar a perda de províncias todo turno, levando a uma situação insustentável se não houver uma resposta do jogador interessado.
Tematicamente acho o jogo fantástico, embora haja divergência de opiniões a esse respeito. A angústia de cruzar ou não os Alpes, a incerteza das viagens marítimas, a dificuldade nos cercos, a troca de comando de cônsules romanos e a respectiva influência nas batalhas, movimentos de retirada, evitar batalhas, interceptação e perseguição de exércitos, a escassez de homens, a dificuldade de reforços, a oscilação de humores nas províncias de acordo com o resultado das batalhas, enfim, tudo contribui para tornar Hannibal uma experiência épica.
Algumas vezes pode ser frustrante perder a iniciativa de combate devido a rolada de dados e não recuperá-la mais rolando esses mesmos dados, ou mesmo ter "n" cartas a mais que o adversário, mas ele joga a única que vc não tem, porque vc comprou uma mão péssima. Ou mesmo a rolada de dano sua sempre mais alta que o perdedor do combate ou aquele sítio que você não consegue levar a cabo porque o dado não contribui...
Todavia, é um jogo: os riscos são previamente conhecidos e você pode determinar no início de cada turno quais riscos são gerenciáveis ou não. Não é um jogo que se define rolando dados, mas sim, na maioria das vezes, pelo competente gerenciamento de suas possibilidades a cada turno.
Para aqueles que se lembram das minhas objeções quanto ao Twilight Struggle, reconheço que aparentemente há uma contradição no que digo a respeito do Hannibal, mas precisaria de mais tempo e espaço para explicar o porquê das diferenças e por que não há contradição.
abs

Stein

9 comentários:

soledade disse...

Gostei da crítica. Sempre tive algum interesse neste jogo mas acabei por desistir dele quando percebi que as regras eram demasiado difíceis e o jogo demasiado denso.
A sorte nestas coisas de jogos de 4 horas irrita-me um bocado.

A mecânica de utilização das cartas é idêntica à de TS, pelo que percebi, só que não usas os eventos dos adversários.


Não sou grande fã das movimentações militares por excelência, do tipo, "flanco", "centro" ou outras. Achei interessante essa afirmação do olhar o tabuleiro, politicamente (sublinho), como um todo. Isso do politicamente, pelo que explicaste, é alterável através dos OP's das cartas, certo? Mas o que é isso, exactamente?

abraços
Paulo

Stein disse...

Durante o set up do jogo, são distribuídos marcadores de influência pelo tabuleiro, atribuindo à Roma e a Cartago o controle de algumas regiões, ocupando totalmente as respectivas províncias. Há um bom número de províncias livres de qualquer marcador, mas dessas, apenas duas regiões significativas comportam provincias livres de qualquer influência.

As outras, embora não contem pontos ou ofereçam aliados durante as batalhas, tem uma importância estratégia muito grande.

O uso de op's é semelhante ao TS, embora não exista a restrição que há neste. Se tenho 1 pto de OP posso gastar para colocar 1 marcador de influência numa província livre em qualquer ponto do tabuleiro.

Essa aparente facilidade de colocação esconde uma terrível verdade: no final do turno, antes da fase de pontuação, todas as suas províncias que não tem contato com um porto ou não estão ao menos com uma tropa do jogador, são consideradas isoladas e o respectivo dono perde o marcador de influência e, portanto, o controle.

A fase de pontuação ocorre no final de cada turno e é feita pela comparação do número de regiões controladas por cada jogador: aquele que tiver menos perde a diferença em número de províncias controladas, refletindo a perda de seu prestígio devido à momentânea predominância do adversário na guerra.

Outra maneira de se perder marcadores de influência é sendo derrotado em combate, o que permite alguém com menor controle político forçar uma batalha para tentar recuperar seu prestígio e, portanto, tentar reequilibrar as coisas também no campo político.

Devo preveni-los ainda que alguns eventos podem ser extremamente ruinosos do ponto de vista político.

abs

Stein

soledade disse...

A minha dúvida tinha que ver com a diferença entre o político e o militar. pelo que percebi o objectivo é controlo político, certo? Por vezes, a melhor maneira de o alcançar é fazendo guerra, certo?

abraços
Paulo

Stein disse...

O político é para vitória a longo prazo, quando a guerra não obteve resultados.

A guerra pode servir a diversas funções:

1. morte súbita do jogo, com a vitória imediata de quem conseguir subjugar a capital do adversário;

2. defender as próprias possessões;

3. causar a perda de prestígio político do adversário; e

4. conquistar cidades e, portanto, influência política do próprio adversário.

Tudo depende da sua estratégia e da situação tática do momento. Algo que admiro no jogo é justamente essa quantidade de opções, algo característico, aliás, deste sistema "card driven".

abs

zorg disse...

O Hannibal é um jogo excepcional a todos os níveis, mas é um bocado mais complexo (e demora mais tempo) que o Twilight Struggle.

O que eu acho brilhante no Hannibal é a forma como a parte política e a militar estão interligadas. No fundo estás a disputar dois jogos num só: o político e o militar. A assimetria também é fascinante: o Cartaginês tem de carregar desde cedo e começar a conquistar províncias, porque começa em desvantagem política, mas à medida que o jogo vai evoluindo, a superior capacidade de mobilização do Romano começa a inverter as coisas. Com a chegada do Cipião, os papéis invertem-se completamente e é o Cartaginês que tem de aguentar ao máximo o que conquistou e o Romano que tem de recuperar o tempo perdido.

A parte militar também é muito interessante. Há opções tácticas engraçadas (como as intercepções, os cercos, etc) e o sistema de combate é dos poucos que eu conheço que permite interromper uma batalha a meio e bater em retirada. Aliás, é muito importante escolher muito bem as batalhas e saber quando retirar. É preferível sair e perder com poucas baixas, do que insistir e acabar por ter uma derrota trágica. Isto é particularmente importante para o romano no início (que vai perder praticamente sempre que defrontar o Hannibal) e para o Cartaginês mais para o fim, quando a falta de reforços for um problema muito sério.

O único problema do Hannibal para mim é mesmo a falta de adversários. O Hugo não gostou muito, quando joguei com ele, e o resto das pessoas com que eu jogo habitualmente não são muito interessadas neste tipo de jogos (com uma ou duas excepções).

Melissa disse...

Não que eu não tenha gostado. O que aconteceu foi que eu não sei Italiano e as cartas do jogo estavam em Italiano e por isso não as usei como devia.
Por outro lado tu apresentavas uma carta e eu acreditava na tua explicação do efeito dessa carta que jogavas, de maneira que não sabia até que ponto não estavas a roubar.
Fiquei desconfiada naquela em que juraste que eu perdia metade dos meus exércitos.
Mas agora que tenho uma tradução para ingles das cartas já posso curtir o jogo e confirmar que não existe nenhuma carta que faça o oponente perder metade dos seus exércitos.

Hugo Carvalho disse...

o comentario anterior era meu. Tinha aberta a conta da minha esposa!

zorg disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
zorg disse...

:)

Juro que existe a carta de eliminar metade dos exércitos! E aquela em que tiveste de cantar hinos de louvor à minha pessoa também! E aquela que força o jogador romano a ir fazer uma limonada fresquinha para o cartaginês e abaná-lo com um leque enquanto este a bebe também é sobejamente conhecida!

A tua tradução das cartas é que está marada!