segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Race for the galaxy: aposentando o San Juan

No final deste ano surgiram algumas oportunidades extras para jogatinas em virtude de feriados e alguns dias inesperadamente tranquilos em termos de trabalho para alguns de meus parceiros habituais.

Com isso tive oportunidade de jogar algumas vezes o Race for the Galaxy, a maioria delas em duas pessoas, mas ainda assim tive a certeza de estar diante de uma jóia rara e, certamente, de um dos melhores jogos de carta já feitos.

A seguir traço um paralelo com o SJ, trazendo algumas diferenças e semelhanças e, eventualmente, apontando algumas remissões ao Puerto Rico, porque o RftG lembra muito mais o PR do que o SJ.

SEMELHANÇAS

a) Ambos tem em comum que a "moeda" em circulação no jogo são as próprias cartas: bens que produzo são cartas viradas para baixo e cartas que pago o custo para descer na mesa são cartas descartadas da mão.

b) O esquema de cartas na mesa, basicamente é o mesmo: há uma divisão em dois tipos; enquanto no SJ temos plantações e edifícios, no RftG temos planetas e tecnologias (olha o tema já fazendo diferença mesmo na semelhança).

c) Ambos utilizam a mecânica de seleção de papéis, conferindo a quem selecionou determinado papel um privilégio. No entanto, o feeling da seleção no RftG é muito diferente. A semelhança reside unicamente no princípio.

d) Ambos contabilizam os pontos de vitória das cartas na mesa assim como o número de cartas na mesa (12) determina o fim do jogo, mas o RftG tem alguns acréscimos que, neste ponto, são herança do Puerto Rico, conforme será explicado adiante.

e) Ambos são extremamente versáteis, jogam bem com qualquer número dentro daquele permitido, ou seja, de 2 a 4 jogadores.

DIFERENÇAS

1. Seleção de Papéis

O RftG oferece a cada jogador um set idêntico com as 5 (cinco) opções de ação. Durante a fase de seleção cada jogador escolhe secretamente uma de suas cartas e todos revelam simultaneamente as respectivas escolhas, tornando disponível para todos os jogadores as respectivas ações. O detalhe é que no momento em que a ação estiver sendo executada por todos os jogadores, o jogador que escolheu a respectiva carta terá, adicionalmente, direito ao privilégio correspondente.

É importante ressaltar que as ações NÃO SE REPETEM, ou seja, se alguém escolheu a mesma ação que outro jogador, essa ação não será executada duas vezes, apenas uma. Todavia, os jogadores que escolheram a ação terão o direito ao privilégio. Eventualmente pode ocorrer que das cinco ações disponíveis num turno apenas uma seja efetivamente executada.

Logo, as opções que se oferecem ao jogador são inúmeras, porque ele sempre tem a certeza de executar a ação necessária à sua situação no jogo. Há também um elemento de risco para tentar maximizar a sua jogada, contando que o adversário escolha determinada ação para que a sua própria esteja livre para avançar ainda mais no jogo.

Não há a possibilidade de marcação previsível como no SJ e no próprio Puerto Rico, procurando travar o jogo do outro, mas, em contrapartida, o RftG exige do jogador um timing de seleção dos próprios papéis para que ao mesmo tempo em que se faz o próprio jogo também não se beneficie demais os oponentes.

2. Pontos de Vitória

Além dos próprios pontos inscritos na carta, no RftG os jogadores tem a opção de enviar os bens produzidos em seus planetas para outros planetas a fim de que estes bens sejam consumidos. Esse consumo pode carrear ao jogador pontos de vitória e cartas para a mão. Aqui há uma proximidade com o "ship load" do Puerto, embora não tão restrito como neste, pois se tenho um bem e tenho um planeta com aptidão de consumo, basta que ocorra no turno a fase de consumo para que eu ganhe os benefícios do consumo.

Em relação aos pontos de vitória e uma estratégia para consegui-los o RftG traz uma variação interessante, na medida em que os bens produzidos (são quatro tipos) contam dentro do baralho com a respectiva estratégia em combos individualizados ou em combinações com os outros bens.

Seria o caso de fazer uma estratégia do "café" ou uma estratégia do "açúcar combinado com o indigo" no próprio San Juan ou mesmo no Puerto Rico. Tudo dependerá da sua mão inicial, pois você terá a opção de ir montando sua estratégia com as cartas que forem sendo adquiridas.

Vale dizer que a estratégia de produção e comercialização não é única (ainda que essa contenha no mínimo 4 caminhos, considerando apenas os bens), pois ainda há a possibilidade de uma estratégia militar, com a conquista de mundos militares e militares rebeldes.

Trata-se de uma adição do RftG: como no SJ para descer cartas você precisa pagar o custo respectivo com cartas da própria mão. No entanto, alguns mundos não podem ser "colonizados", ou seja, pagos com cartas, mas sim conquistados. A conquista funciona com bônus militares de cartas na mesa: se tenho um total de 4 pontos e esse total é igual ou superior ao do mundo que pretendo conquistar, simplesmente o coloco na mesa sem pagar custo algum.

Também vale frisar que, tal como no Puerto Rico, uma das condições de final do jogo é o esgotamento dos pontos de vitória disponíveis na forma de tokens específicos. O que também adiciona uma outra estratégia ao jogo.

3. Identificação Visual

No RftG todas as cartas possuem uma coluna em sua lateral com um bônus aplicável em determinada fase do turno, correspondente às cinco ações disponíveis. Logo, se o bônus da carta é aplicável à ação 3 ("settle"), ao lado do número 3 nesta coluna estará uma legenda contendo o bônus aplicável: um símbolo para o tipo de bônus e um número para a respectiva quantificação (desconto, ponto de vitória, bônus de comércio, etc...).

O jogo é acompanhado de um player aid com essas legendas, mas no decorrer da partida os jogadores já o abandonam, pois as legendas são muito intuitivas. Além disso, algumas cartas, se necessário, contam com uma pequena explicação do bônus aplicável no canto inferior direito.

4. Tema

Particularmente o tema do RftG me agrada muito mais que o do SJ, as cartas dizem muito mais e tem um visual muito melhor no RftG. É mais divertido você baixar uma carta dizendo: "conquistei a base militar rebelde" do que "baixei a plantação de açúcar" ou mesmo "fiz um investimento de crédito" do que "baixei um poço", e por aí vai.

CONCLUSÃO

Embora o RftG seja parecido com o SJ é um jogo muito mais completo, evoluiu para se tornar um verdadeiro gamer's game e jogado em torno de 1 hora, com um tema muito mais interessante e um sistema de informações nas cartas extremamente funcional. Na verdade diria que o RftG está mais para o Puerto Rico do que para o SJ.

O SJ continua sendo um bom jogo na minha opinião, mas é inegável que após algumas partidas ele se torna extremamente mecanizado, tanto que dois jogadores experientes podem jogar uma partida em cerca de 20 minutos, porque as escolhas são extremamente óbvias e porque há basicamente 3 caminhos para vencer o jogo: ou a estratégia baseada em edificações ou a estratégia baseada em plantações ou um mix entre as duas.

O curioso é que o RftG não é tão mais complexo que o SJ, ele apenas oferece mais opções. O sistema de jogo é tão simples quanto e o tempo é apenas um pouco maior. No entanto, essa maior gama de opções o tornam muito mais atrativo para gamers.

11 comentários:

soledade disse...

O San Juan dá ideia, pelo que disseste, que fica parecido com o S. petersburg depois de se jogar um tempo - fica demasido mecanizado. este R for the Galaxy tenho-o debaixo de olho porque também já ouvi muitas pessoas falarem muito bem. Tempo de jogo, rejogabilidade e estratégia muito boas. tenho de ver isso com atenção na minha próxima encomenda :)

off topic:
Um bom ano de 2008 para vocês todos do obatijolo e espero que venham todos aqui em Janeiro (vá lá!) para o nosso encontro de leiria (LeiriaCon 2008) que vai contar com a ilustre presença de duas personalidades: Bel e Tânia!!!

Ah! e antes que esqueça, também vai estar aqui o Mac Gerdts e o Andrea Angiolino (Wings of war) mas isso é só um detalhe...

abraços e excelente ano

Stein disse...

Obrigado pelos cumprimentos Soledade, também faço votos de um feliz 2008 a todos.

E seu 2008 certamente será mais feliz se você jogar o Race algumas vezes! :-)

abs

missbutcher disse...

Na verdade o Mac Gerdts e o Andrea Angiolino descobriram que a gente vai...
hehehehe

zorg disse...

Gosto muito do RftG.

Como alguém disse, é um jogo de engenheiros: tens as pecinhas todas com funções diferentes, as cartas, e é com elas que tens de montar o motor. E ganha quem conseguir montar o motor mais eficiente.

Só discordo da tua review numa coisa: eu acho que é um jogo muito mais complexo que o San Juan, no sentido em que há uma curva de aprendizagem muito maior. Para se jogar bem RftG é preciso conhecer muito bem as cartas (e há muita carta para conhecer), é preciso aprender como algumas encaixam bem noutras, é preciso compreender bem as noções de timing e de como se consegue ganhar tempo em relação a outro jogador, é preciso aprender a adivinhar o que um jogador vai escolher, olhando para o que tem em cima da mesa e o número de cartas na mão... e para tudo isto é preciso muita experiência.

Eu até acho até que o RftG é capaz de não ser menos complexo e desafiante que o irmão mais velho do San Juan.

zorg disse...

E ia-me esquecendo: um grande 2008 para todos vocês, deste e desse lado do atlântico! :)

Stein disse...

Mas eu disse que o RftG oferece mais opções em ter uma complexidade muito maior, ou seja, é mais complexo mas não assusta.

No San Juan vc também deve conhecer as cartas, saber qual descartar, marcar o adversário antevendo qual seria a melhor opção para ele, etc...

Mas é fato sim que a curva de aprendizagem no race é maior e para quem não jogou o San Juan ele pode parecer um pouco confuso no primeiro momento devido à quantidade de símbolos nas cartas.

abs

zorg disse...

>Mas eu disse que o RftG oferece mais opções em ter uma complexidade muito maior, ou seja, é mais complexo mas não assusta.
-
Erro meu, então. :)

Stein disse...

Não se preocupe Zorg eu também errei na minha resposta, olha só:

>Mas eu disse que o RftG oferece mais opções em ter uma complexidade muito maior, ou seja, é mais complexo mas não assusta.

Faltou em "s": "oferece mais opções sem ter..."

abs

Hugo Carvalho disse...

Eu sou sincero, nao despertou nenhuma paixão este Race, a não ser a inquestionável beleza das cartas.
Mas, enfim, admito que devo estar errado, porque se toda a gente diz que o jogo é bom, é porque alguma coisa me passou despercebida.
Seja como for, parece-me um jogo um tanto ou quanto dificil de captar logo nas primeiras jogatinas. Eu, por exemplo, andava totalmente à toa e se o voltar a jogar, tenho a sensação que vou precisar de mais 3 ou 4 sessões para perceber o procedimento. Normalmente não é bom sinal que um jogo exija tanto dum jogador, pode até ser pretencioso.
Seja como for vou abrir sinceramente o meu coração para gostar do jogo e ver a beleza dele, mas a mim parece-me trazer pouco de novo.

zorg disse...

>Seja como for, parece-me um jogo um tanto ou quanto dificil de captar logo nas primeiras jogatinas. Eu, por exemplo, andava totalmente à toa e se o voltar a jogar, tenho a sensação que vou precisar de mais 3 ou 4 sessões para perceber o procedimento.
-
Eu não diria para "perceber o procedimento", porque o procedimento é fácil de perceber. Mas concordo que é um jogo com uma curva de aprendizagem grande. Acho que vou estar a aprender e a melhorar muito durante os primeiros 10 ou 20 jogos, tal como no glory to rome.

>Normalmente não é bom sinal que um jogo exija tanto dum jogador, pode até ser pretencioso.
-
Eu acho exactamente o contrário: os jogos melhores são aqueles que são mais difíceis de dominar. O Twilight Struggle é um exemplo disso: para ser jogado de uma forma minimamente competente é preciso conhecer as cartas e para conhecer as cartas é preciso jogar umas quantas vezes... e é dos jogos que mais gozo me dá jogar.

Deve ser uma questão de gosto. :)

Cacá disse...

Hugo, isso as vezes acontece, as vezes sou crucificado por não gostar do Tigres e do Princes of Florence...

O Race ainda não joguei, mas estou com muita vontade de jogar, achei que o tema combinou bem com o estilo do jogo, e pelo que lí de resenhas e da regra ele parece ter uma rejogabilidade grande, o que só ajuda a ele não ser "mais um jogo na coleção"...

Abraços a todos...